O Professor de Matemática

O Professor de Matemática

App

Histórias da Longevidade - Entusiasme-se com a vida!

O Professor de Matemática - Uma Vida Incompleta


Manuel, o Professor de Matemática, reformado, de 82 anos, tinha em cima da mesa um livro intitulado “Gödel, Escher e Bach”, comprado em Londres, há muitos anos, numa das suas viagens com a mulher, a sua querida e saudosa Teresa. Um músico e um artista, exclamou o seu neto João, estudante de história de arte, que perguntou quem era Gödel, quando visitava o avô num final de tarde. Manuel, encheu-se de satisfação e com energia explicou quem tinha sido Gödel, figura apaixonante da história da matemática, pilar da matemática moderna, que sempre considerou o seu ídolo. Ele revolucionou o pensamento matemático e aquele livro, que pouco tinha a ver com estas três figuras, põe-nos a pensar sobre muita coisa. A conversa correu com entusiasmo entre os dois. O avô Manuel renasceu das cinzas e de novo o seu pensamento brilhou, o João descobriu um avô apaixonante que desconhecia. Brotou cumplicidade entre ambos que não estava prevista. O neto impressionava-se com Escher e a sua capacidade de representação paradoxal de figurações realistas, que punham em causa o valor da objetividade e da lógica. Nesse dia tiveram que se separar antes da hora de jantar e o Manuel calvo e de cabelos grisalhos entregou-se pensativo a todo aquele acontecimento. Que acontecimento improvável, como ele tinha descoberto afinidade com aquele neto através da discussão do que era o pensamento matemático, que tinha sido o maior interesse de toda a sua vida e que ele por inércia abandonara. Atraiçoara-se a si próprio ao abandonar o pensamento, a leitura, a música, mas sobretudo a partilha com os outros. Faltavam-lhe os alunos, os amigos, as tertúlias e as conferências. Era preciso retomar as relações com os outros, o que seria difícil com o confinamento pela pandemia. Acreditava que o João voltaria. Deitou-se animado, bem disposto, a querer que houvesse novo dia. Levantou-se de manhã, como nos tempos em que dava aulas, com energia e determinação em mudar de vida. Estava a abandonar a vida, a descurar o pensamento matemático, a entorpecer corpo e espírito. Nessa determinação decidiu procurar o que poderia fazer. Telefonou a uma sobrinha com quem mantinha uma grande cumplicidade, que lhe sugeriu que contactasse uma Universidade de Terceira Idade para aí poder dar aulas, o que não lhe interessou por se realizar por transmissão on-line. Precisava de sentir a presença física dos outros e sobretudo queria contactar com gente nova, queria desafios e saber mais da atualidade. Passaram dias e o neto João de ténis e cabelo castanho apanhado não voltou a visitar o avô, que esperava dia após dia, com ansiedade, retomar aquele contacto. Tinha criado muitas expectativas, fez projetos, voltou a ler, quis acreditar que finalmente iria ensinar o pensamento matemático. Iria resgatar o seu propósito, o que achava que não conseguira fazer durante a sua vida como professor. Regozijava em estar vivo, de saúde e com energia para poder concretizar o seu plano. Talvez não se pudesse chamar plano porque só tinha várias ideias que se desenhavam na sua cabeça de forma pouco precisa. Ambicionava concretizá-las e tinha energia e contentamento para o fazer. Com o tempo essa energia foi-se perdendo, o neto não vinha  visitá-lo para evitar contactos com medo da contaminação pelo vírus. Na cabeça do avô estas razões soavam a desculpas dos outros. As manhãs voltaram a ser difíceis, o vazio voltou a instalar-se como erva daninha em jardim descuidado, voltou a pensar em nada, deixou de se interessar. A filha que o visita mais regularmente que os outros irmãos não entendeu porque o pai tinha andado mais expansivo e depois voltara a estar introvertido e quase adormecido. O livro “Gödel, Escher e Bach” continuava em cima da mesa, não para Manuel o ler, mas como testemunho da conversa com o neto e à espera do neto, com a confiança cada vez mais longínqua de que ele voltaria. O livro no cimo do monte de livros começou a ganhar pó.


breves observações


Somos nós mesmos que temos de ser autores da nossa vida, não devemos nunca esperar que sejam outros a decidir por nós, posição paternalista que é frequentemente adoptada para com as pessoas de mais idade, como se tivessem deixado de ter capacidade de decisão. É cada um que consigo mesmo tem de organizar o seu caminho pessoal com determinação para que possa assegurar a sua autonomia.

Esquecemo-nos de nos interrogar sobre o que queremos e gostamos. O que é que eu gosto ou gostaria de fazer? A plenitude na vida vem do prazer do que fazemos. Precisamos de energia para encetar ou continuar projetos, mas a satisfação que daí vem vai permitir recobrar essa energia e permitir estarmos mais vivos, participativos e sobretudo mais senhores de nós, da nossa identidade.

Caso contrário voamos na nossa vida com crescente consciência do que falhou e ancoramos num sentimento contínuo de perda,  num estado depressivo e não num processo de construção. É um desperdício para o próprio e até para todos.

Claro que não estamos livres de termos de contornar circunstâncias de vida e nem sempre conseguimos concretizar o que colocamos em primeiro lugar, mas podemos encontrar soluções para contornar os problemas e descobrir alternativas de vida.

Ao contrário, como acontece com Manuel, vive-se de expectativas e memórias, expectativas frustradas e cada vez mais vagas. Não conseguimos, assim, nem viver o presente, nem o futuro. Temos memórias e devemos resgatá-las para construir presente e futuro, não para nos perdermos no passado.

O pensamento matemático que tanto entusiasma Manuel, é o que preside ao exercício da prática matemática, tanto na sua aplicação como na pesquisa e elaboração de novas proposições a partir de corolários para obtenção de novos corolários. Enganam-se os que julgam que o pensamento matemático é fazer contas e que o que preside é a capacidade de cálculo. O pensamento matemático é muito mais do que isso, é abstrato e exploratório, onde tem papel a imaginação e a conjectura, para depois definir e provar. É um processo muito rico em si mesmo e não um conteúdo. Várias outras áreas da Ciência e até das Artes usam procedimentos análogos ao pensamento matemático. Qualquer pessoa interessada e curiosa acaba por usar de forma informal passos do pensamento matemático, sem que se possa chamar de pensamento matemático. O pensamento matemático exige conhecimento e consciência do mesmo e podemos dizer que ajuda muito na vida, mesmo que aplicado de forma informal.


Conclusão

Somos capazes de nos orientar para conseguir fazer na vida aquilo  de que gostamos?

 

CCC000
Visualização normal