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Falar com o Mar

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Temas da Longevidade

Falar com o Mar


O Mar está sempre connosco, mas em tempo de Verão passa a ser, juntamente com o Sol, rei e senhor. Apresentam-se os dois com a força de quem quer mostrar quem manda. O  Mar assusta e atrai irresistivelmente . Impõem-se, mas pode não ser mais do que a forma de nos refrescarmos do calor do outro rei. Banaliza-se a sua importância, sendo tanto o caixote de lixo da humanidade, como a forma de desfrutar de umas férias.
É o mistério que só vislumbramos na superfície, mas que encerra mil segredos, construindo imagens mentais que desenvolvem jogos simbólicos.
Conto a história do marinheiro que aprendeu a falar com o mar. Ouvia o que as ondas lhe sussurravam, ou o que elas lhe gritavam, entregava-se ao seu doce balanço, ou mergulhava energicamente para as vencer, e tanto num caso como noutro modelavam o seu corpo e o seu pensamento. Habituou-se a ter o Mar como aliado e quando estava só, em alto mar ou em terra, ouvia as histórias que o Mar lhe contava ou, face a um problema, esperava pelas respostas que ele lhe dava. Sentava-se a desfrutá-lo na sua imensidão e simultaneamente proximidade. As histórias que o Mar conta? Que disparate!
Saber escutar e observar o exterior e estimular o dialogo com diálogo dentro de nós é uma arte. É a verdadeira forma de saber pensar. Perdermo-nos em labirínticas associações de pensamento ajuda-nos a entender a realidade, não nos afasta dela. Permite a criação de intimidade com nós próprios, de mundo interior. Não nos isola dos outros, porque permite desenvolver também a intimidade com os outros. Para o velho marinheiro é a forma de contornar o isolamento, mas também é a forma de se encontrar consigo e compreender-se. O velho marinheiro fala com o Mar, o pastor com o seu rebanho, o agricultor com as árvores e o vento. É uma forma de nos expandirmos, de alargarmos horizontes. Se não o fizermos o Mar, a Terra e o Vento, são não um bem, mas uma maçada. O Mundo é uma maçada. E mal vai quando passamos a falar com as máquinas, sejam telemóveis ou computadores.
Mas, o que é que isto tem a ver com a longevidade? Tem muito, porque o desenvolvimento do mundo interno, da capacidade de pensar, de compreender não se adquire numa plataforma digital, conquista-se ao longo da vida e é muito útil ao longo da vida, mas tem uma grande importância para não cairmos no marasmo do vazio interior e no vazio ocupacional. Se não nos habituamos a pensar não encontramos soluções para nós próprios e não conseguimos manter a nossa autonomia. Saber pensar é condição necessária para projetar os anos de vida que temos após a reforma, criando condições para não perdermos autonomia e nos sentirmos preenchidos e participativos. Aprenda desde novo a ouvir o Vento, o Mar, a Terra e a sonhar.

Deixo como última pergunta “Podemos construir a nossa Vida sem a alimentarmos com o nosso mundo interno?”