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Querer amar e não poder

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Temas da Longevidade

Querer amar e não poder


Amar é preciso, precisamos de amar como do pão para a boca. Não acredite que pode ser amado se não souber amar. Há quem julgue que os outros têm obrigação de o amar, que o ser amado é um direito natural e implícito, mas já se perguntou se consegue dispor-se a amar o outro. Já se perguntou se sabe amar. É verdade que é difícil traduzir o conceito de amor, mas podemos acertar no que é amar quando gostamos do outro, somos simpáticos, depois empáticos, ou seja vamos ao que é o outro por dentro, queremos bem ao outro e começamos a sentir um apego, uma cumplicidade, uma troca, uma satisfação em estar com o outro. Amar não é seduzir, amar não é agradar, amar não é fazer o que o outro espera de nós, amar é conhecer o outro, é estabelecer uma relação de confiança, é pensar no outro e sorrir para dentro mesmo que o outro não esteja ao pé de nós, é falar com o outro sem ele estar ali. Quando amamos queremos sentir o outro, queremos tocar-lhe, queremos abraçá-lo. Pode-se viver sem isto? Pode, mas será viver? Daqui depreendemos que amar é um processo de conhecimento, é uma coisa real que se constrói e se alimenta, indispensável para nos sentirmos Pessoa. Uma vez capazes de amar podemos perder essa capacidade?

O isolamento pela pandemia restringiu o exercício amoroso e houve quem caísse na condição de querer amar e não poder. Falta o objecto de amor. A imagem substituiu o corpo. A ilusão substitui a matéria. É a restrição de um exercício vital, morremos por dentro devagar, mesmo que nos digam que gostam muito de nós. Saber e poder amar não é o mesmo que ser amado. Pode-se exaltar o amor, mas praticá-lo é outra coisa, é uma necessidade que pode apagar-se a pouco e pouco, que se desaprende, desliga-se de nós e nós esvaziamo-nos. O discurso empobrece-se a ponto da palavra poder perder o seu significado porque sai com pouco sentido, como se não fosse relevante o que se diz. O brilho nos olhos desaparece porque deixamos de saber usufruir do outro. Pode surgir nostalgia do saber amar perdido, fica a memória de amar o outro numa mão que quer apertar alguém e que quando consegue sorri. Já não é mau quando ainda isto existe, porque até isto se pode perder. O ter conseguido amar é um grande bem, porque assim quando se perde esgota-se lentamente. Saber amar é muito mais do que gostar dos outros, preenche-nos.

E o que tem isto a ver com a Longevidade? Aplica-se no fundo a todas as idades, mas as contingências da Longevidade e o Ageísmo são propícios a que a possibilidade de amar o outro seja coarctada tanto pela perda de pessoas próximas como pelo isolamento. É frequente observar este acontecer quando uma pessoa é deslocada para um meio onde tem outros, mas esses outros são-lhe estranhos e os contactos com os familiares e amigos se restringem. A perda de interesse pelo que está à volta diminui, a energia vital desaparece, mas mantém-se uma avidez de estar com o outro que tanto se quer. Mas, mesmo essa avidez pode desaparecer quando esmorece a expectativa de amar o outro, ou tudo pode renascer se voltamos a amar. Naqueles que têm uma doença com compromisso cognitivo, da memória ou outro, a sensibilidade à falta de poder amar é maior e perde-se mais facilmente. Os estímulos sensoriais são muito importantes por exemplo na doença de Alzheimer e o benefícios são tanto maiores quanto mais enquadrados estiverem num acometimento amoroso. Quando um doente de Alzheimer se vê privado de poder amar tudo se complica e ouvimos dizer é a doença a avançar.

Amar o outro é amar a vida.

Podemos verdadeiramente ser amados sem saber amar?