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Os Historiadores de Arte

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Histórias da Longevidade - Entusiasme-se com a vida!

Os Historiadores de Arte - Nós é que sabemos!


Jota, 22 anos, subia a rua do Carmo em direção ao Museu, onde ia participar numa formação presencial sobre Curadoria. Era o seu grande sonho poder iniciar-se como Curador de uma exposição. Secretamente imaginava exposições e desde a obra do artista até à sala, tudo o que corria na sua cabeça lhe chegava a parecer real. A sua paixão era alicerçar conceptualmente uma obra, como se o artista lhe desse uma mensagem em hieróglifos e ele tivesse de o decifrar, de adivinhar as preocupações do artista, de o contextualizar e depois entregar-se a uma busca interpretativa para conseguir demonstrar ao público a razão da obra exposta. Era como um desenho de Escher, podíamos fazer várias leituras, atribuir significados às formas e apresentar um conteúdo, como se fosse uma tese. Tinha de a saber defender, o que era um desafio, que às vezes partia do nada e construía-se em diferentes caminhos. Escher, que engraçado, lembrava-lhe a conversa que tinha tido há tempos com o avô Manel. Pensou para si, como ele ficou contente por lhe ter dado atenção. Os velhotes não precisam mais do que um bocadinho de atenção, concluiu para si próprio. Coitados, agarrados a livros e ideias com mais de trinta anos, antes de ele ter nascido! E falam das coisas como se os outros perdem-se imenso por não terem lido aquele livro e não percebessem nada da vida, continuou nas suas cogitações. Como pode um velho perceber o Mundo de hoje se é tudo tão diferente do tempo deles. Aquele livro que ele falou, já nem se lembrava do título, mas era um calhamaço, e pensou o avô Manel é cá um cromo!

Chegou ao Museu. Ainda não tinha começado a formação. Jota encontrou a Bia e o Sá, colegas do curso de História de Arte. O tema sobre comunicação do sentido de uma obra de arte ou de uma exposição ao público. Traduzir o sentir e a ideia do artista, contextualizar a obra, despertar no público emoções, pensamentos, inquietações, leituras diferentes e o sentimento final de satisfação do visitante. No intervalo os três amigos discutiam a formação da manhã. Debateram a necessidade de explicar e transmitir aos outros pensamentos e emoções. Não deve cada pessoa fazer livremente a sua leitura, sem ser influenciada pela visão de terceiros. Um curador tinha que saber escolher, saber expor, apresentar o artista e contextualizar o trabalho, mas também tinha de explicar? Jota inclusivamente reprovou as visitas guiadas porque limitavam o campo de interpretação, condicionavam o que se via e nomeavam o que não tinha necessariamente de ser nomeado. Ya, faria mais sentido uma discussão depois da visita do que uma visita guiada, considerou Bia. Como é que se transmitia o significado de uma imagem a um público provavelmente muito heterogéneo? Não devia ser cada um a explorar e a descobrir a imagem? Sá reforçou com um exemplo simples, como é que eu iria explicar uma instalação aos meus avós, eles flipavam com a ideia, nunca compreenderiam, e os outros dois riram. Nisto, um dos curadores do Museu que estava perto e ouviu a conversa pediu desculpa e perguntou se eles não sabiam que as primeiras instalações artísticas ou assemblage, como também se chamavam, remontavam aos anos 20, 30 e 40 do século passado. Eram provavelmente mais velhas que os vossos avós, apesar de só se difundirem mais tarde. Acham que os vossos avós não percebem uma instalação artística se lhes for explicada. Da conversa resultou o desafio do António aos três estagiários de convidarem os respectivos avós a virem presencialmente à inauguração da próxima exposição do Museu, que seria dali a dias. Os três não deixaram de ficar perplexos com o desafio, mas aceitaram. Iriam os “velhos” perceber aquilo?


breves observações


Jota é o João da história anterior, mas não era o nome pelo qual o avô o tratava. Logo aqui o neto parece ter duas identidades, a que se apresenta e responde perante o avô, e a que tem para o Mundo. O que vai no pensamento do avô e no pensamento do neto sobre a mesma situação, a visita do João, é muito distinto. O avô convence-se da curiosidade do neto pelos seus interesses e acredita que daqui nasça uma cumplicidade entre os dois, que Manuel tanto ansiava. Jota acha que permitiu dar um momento de alegria ao avô por o visitar e não percebeu mais do que isto. Um acreditou que podia a partir daquele momento organizar futuro que tanto desejava, mas o outro só percepcionou o momento em si. Centraram-se nos seus desejos e desvalorizaram o que o outro sentia.

É muito importante pararmos e darmos tempo ao outro para se explicar e a nós próprios para perceber o que o outro pensa. Não paramos para ouvir o outro, mas também não nos abrimos para o outro.

O problema de fazer passar o sentido de uma obra de arte é idêntico à dificuldade intergeracional. Decifrar uma peça ou entender o outro passa pela mesmo processo que é a comunicação. Assim, criamos com facilidade preconceitos contra a obra de arte, mas pior é contra o outro, que é nosso próximo, que não conseguimos entender. Vamos gerar preconceitos relacionais que não têm razão de existir.

É verdade que as formas de comunicação e o seu valor também mudaram. Hoje dá-se mais importância à imagem e ao som do que à escrita e à leitura. A imagem e o som transmitem uma informação de forma imediata, enquanto a escrita e a leitura são mais vagarosas, mas também permitem a elaboração das ideias. Ou melhor, as ideias são elaboradas de forma diferente e isso origina processos de pensamento diferentes. Mas, tudo pode ser explicado.

Se nos dispusermos para o outro e o percebemos ganhamos com o conhecimento do outro, que é também o conhecimento de nós. Não podemos ser intolerantes e colocarmo-nos na posição de nós é que sabemos.

Será que as diferenças intergeracionais são assim tão grandes? Não ganhamos em perceber os outros? Isso será tão difícil e não pode ser ultrapassado com a curiosidade sobre o outro?


Conclusão

Os preconceitos impedem-nos de ouvir e chegar ao outro. Deixá-los cair é a maior dificuldade.